domingo, 15 de julho de 2012

Certidão


Eu olho no espelho e ponho-me cabelos brancos.
Eu quero sentir-me inválida...
E sentir-me traída pelo coração.
Quero sentir a morte corromper a minha certidão.

E nessa hora de mortandade
eu vivo como nunca antes vivi.
A minha suposta velhice me renova!

(E ao mesmo instante destes versos asmáticos
uma velha vera estende suas roupas no varal.
Seus cabelos pintados mostram nada
do que ela imaginava que mostrava.)

Porém, sem mais ver ninguém,
ponho-me a apenas ouvir
o belo canto dos pombos negros...
Uma forma única de cantar!
Eu aprecio e, em alguns instantes, me enojo...
E sou toda assim...
No mundo, em que vivo, sujo;
no espelho, em que vejo, sujo.

Tudo me agrada e tudo me estranha.
Mas o equilíbrio das minhas ações
me elevam à um sólido amor
onde nada me estranha.
E tudo me torna amável.

(Neste momento uma vontate súbita me preenche.
Quero chocolate! Quero!)
Tudo me atrae, nada me convence.
Mas uma garotinha vagarosa se aproxima
e com gesto cordial sorri à mim...
Sinto então uma contentação sem fim!

Conheci homens mais do que dexei-me ser conhecida.
Li e escrevi almas em deterioração
e senti suas energias de sofreguidão!

Dei-me, como não sei se outra pode se dar,
às curiosas palavras dos homens.
Dei-me a todas palavras humanas que achei.
Ah sim! Confirmo pois: como me dei!
Dei-me à certeza dos tolos
e também à exatidão dos cansados!

Vi branco e preto no chão:
homens unidos, não aliados;
vi metereologista brincar de exatidão;
e vi magos sendo derrotados.

Agora não importa-me a hora
pois já não bate-me a porta a hora.
E sinto o vazio da minha pintura no espelho.
E sinto a palidez transbordando do cabelo!

E no meu último instante desejo um picolé,
andar na terra sem sapatos nos pés,
na vividez da flor por a minha fé.

E no meu último instante escrever a lápide
pois quero ter na morte algo que me agrade...
E logo penso que quiçá não tenha lápide.

Deixo de tanto pensar e olho na janela.
Ao fundo vejo uma loja
de papéis e ninharia.
O dono de lá forja
seus papéis e especiarias.

Mas já não quero pôr meus olhos na loja.
Então ao longe vejo um monte,
ele se cala abaixo de um céu cinzento;
ele sorri e as árvores pintam-se ao vento.

As árvores são naturais, são reais!
E não têm ação. Não pensam que são.
somente são.
E não têm fé. Não cortam-se dos pés.
Não vivem o invés.
E não têm mitos. Não têm crido.
Não têm nada quisto.

Visto isto posso pôr-me
no acalento da natureza,
que na veracidade expressa a beleza.
E não são como certos homens,
que têm certezas.
As árvores são muito grandes,
mas não querem grandezas.

Mas o planeta ainda gira.
E eu ainda sou mínima.
Não tenho por gosto morrer,
mas sim viver a cada instante.

Então volto-me para o reflexo da vida
e, ainda que esteja sofrida
continuarei a vencer!

Por hoje é um chá, é uma poesia.
Um dia será música, será maresia.
Por hoje é só umas notas em Sol...
E um fim daquilo que não se teve fim
...

Gabrielle Castaglieri

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